ThiagoDamasceno: Literatura: Oscar Wilde – O Rouxinol & A Rosa

domingo, 17 de junho de 2012

Literatura: Oscar Wilde – O Rouxinol & A Rosa


“O Rouxinol & A Rosa”, de Oscar Wilde


O ROUXINOL E A ROSA
de Oscar Wilde
Por Thiago Damasceno

Apontamentos Biográficos

            O governo da rainha Vitória e do seu marido, Albert, na Grã-Bretanha, durou de 1837 a 1901 e algumas de suas marcas foram a defesa de valores morais rigorosos, intolerância à criminalidade e forte repressão sexual. Umas das orientações dessa época, chamada “Era Vitoriana”, era de que, nos ambientes sociais mais sofisticados, devia-se cobrir as “pernas”, desde as pernas das mulheres até as “pernas” de pianos e móveis. Recomendava-se também substituir expressões como “peito de frango” por “seio de frango”. As potências europeias viviam a época denominada pela História como neocolonialismo, caracterizada pela intervenção militar e pelo controle, por parte das potências, da política e economia do continente africano e de alguns países da Ásia. O Império Britânico era o maior daquele século e suas produções e valores foram disseminados pelo mundo. Nesse contexto viveu o polêmico escritor irlandês Oscar Wilde, nascido em 16 de outubro de 1854 em Dublin.

            Wilde foi um escritor prolífico. Escreveu um romance, contos, peças teatrais, poemas e ensaios. Também fundou um movimento estético chamado dandismo ou esteticismo, no qual pregava o belo como cura aos horrores da sociedade industrial. Sendo ele mesmo um dândi, Wilde frequentava os salões e restaurantes da moda vestindo roupas de seda e de pele refinadas, segurando flores. Ele também se preocupava em fugir do banal, do normal. Tinha bom gosto estético e um profundo conhecimento artístico e cultural. Quando morou em Londres ficou conhecido por atitudes sociais extravagantes e polêmicas, além da crítica à hipocrisia da burguesia e da nobreza e pelo seu sarcasmo e ironia na fala e na escrita, além do seu “combate” à mediocridade na Arte. Mas foi em 1891 que seu modo de vida lhe custou a perda da fama e do seu patrimônio material.


           Naquele ano, o seu único romance, O Retrato de Dorian Gray, fora publicado. Outras obras já tinham sido difundidas e Wilde só crescia em termos financeiros, literários, de fama e de vida social. Em 1891 ele também conheceu o jovem nobre Alfred Douglas, apelidado de Bosie, filho do marquês de Queensberry. A beleza física de Bosie (olhos claros, cabelos loiros, corpo esguio) encantou Wilde e eles começaram uma relação homoafetiva que podia ser vista nos pontos de encontro da elegante Londres, indo contra a moral vitoriana, que considerava a homoafetividade masculina ilegal e negava a existência da homoafetividade feminina. Queensberry, pai de Douglas, enviou um bilhete a Wilde ofendendo-o. Wilde o denunciou por difamação. No processo, Queensberry mostrou o motivo do seu ataque, as práticas homoafetivas de Wilde, e após três julgamentos, o escritor foi condenado a dois anos de prisão com trabalhos forçados.

            Os livros de Wilde saíram das livrarias, suas comédias saíram dos cartazes, seus dois filhos com Constance Lloyd, Cyril e Vyvyan, foram tirados de sua tutela e mudaram seus sobrenomes para Holland, e seus bens foram leiloados para pagar as despesas do processo. Mesmo assim, ao sair da prisão em 1897, Wilde continuou a escrever, porém usando o pseudônimo Sebastian Melmoth devido à difamação de seu nome. Sua família já havia se ausentado de sua vida. Com a ajuda de seu amigo Robert Ross, o escritor passou a viver em Paris de forma mais humilde e pacata, nada comparada ao seu exuberante modo de vida anterior. Wilde faleceu em 30 de novembro de 1900 sob um violento ataque de meningite agravado pelo álcool e pela sífilis. Foi o fim corporal de um grande nome da literatura inglesa.

           
Estruturas e Características de “O Rouxinol & A Rosa”

            O narrador do conto é onisciente. Está em todos os lugares da estória e conhece todo o enredo e o mundo interior dos personagens. Ele se apresenta com uma voz narrativa em terceira pessoa e permite que os personagens falem na maior parte da obra, podendo ser entendido como um narrador “neutro”. Lembrando que essa neutralidade é aparente, pois no nível da linguagem se percebe a parcialidade do narrador. Segundo a divisão de pontos de vista narrativos do crítico norteamericano Norman Friedman, o narrador de O Rouxinol & A Rosa se encaixa como “autor-editor onisciente”.  

Essa obra está inserida, pela predominância da forma de representação, no gênero narrativo, mas contém muitos traços dramáticos, pois quem fala na maior parte do texto são os personagens, como numa peça teatral. Outro aspecto marcante de O Rouxinol & A Rosa é que a obra é um conto com características de fábula. Alguns personagens são animais personificados, ou seja, agem, pensam, sentem e falam como seres humanos, mas os personagens humanos do conto não podem entendê-los. Vejamos algumas definições de “fábula”:

“A fábula tem dupla finalidade: entreter e aconselhar”. (Fedro, século I d.C.)

“A fábula é uma pequena narrativa que, sob o véu da ficção, guarda uma moralidade”. (La Fontaine, século XVII)

Assim, vemos que O Rouxinol & A Rosa procura mostrar ensinamentos, principalmente sobre as relações amorosas, relativamente censuradas e difíceis de resistirem a aspectos financeiros e de não caírem na hipocrisia social. Pelo uso de uma linguagem metafórica simples e pelo tom de fábula, o escritor britânico se dirige principalmente ao público infantojuvenil, mas claro que esse não é o único público leitor.

Resumo da Obra

            O conto começa com um rouxinol em um jardim que se compadece do sofrimento amoroso de um jovem estudante. O jovem está chorando porque sua pretendente lhe disse que dançaria com ele no baile do Príncipe caso o jovem lhe desse uma rosa vermelha, mas não há rosas vermelhas no jardim.

            Um lagarto, uma borboleta e uma margarida perguntam o motivo das lágrimas do jovem e o rouxinol lhes diz: “Chora por uma rosa vermelha”. O lagarto, por não compreender os sentimentos do jovem, sorriu dele, mas o rouxinol “ficou silencioso na azinheira a refletir nos mistérios do amor”. De repente ele abre suas asas e sai à procura de uma rosa vermelha junto às roseiras, prometendo cantar sua mais bela canção à planta que lhe der a tal rosa.

            Vai a uma roseira, mas ela tem rosas brancas. Vai à outra roseira, mas ela tem rosas amarelas. A última roseira visitada, que crescia debaixo da janela do estudante, tem rosas encarnadas, mas diz ter um meio terrível de dar ao rouxinol uma rosa vermelha. Ela informa ao rouxinol que criará uma rosa vermelha caso ele cante para ela com o peito apoiado em um dos seus espinhos. Assim, o espinho lhe atravessará o coração e seu sangue irá colorir as veias da roseira, fazendo com que ela produza uma linda rosa vermelha.

            Feita a proposta, o rouxinol diz: “A morte é um preço muito alto por uma rosa vermelha e todos temos um grande amor à vida (...). Contudo, o amor é melhor que a vida, e que é o coração de uma ave comparado com o coração de um homem?”. Após pensar, o rouxinol decide se sacrificar em prol da felicidade do jovem e passa a noite cantando com o peito contra o espinho, até que de manhã bem cedo, morre e faz com que da roseira brote uma rosa vermelha. O jovem acorda, vê a rosa e anima-se. Imediatamente vai ver sua amada para lhe dar o presente.


            Contudo, ao ver a rosa, a jovem diz que ela não combina com a cor do seu vestido e que o sobrinho do camarista já havia lhe dado algumas jóias verdadeiras e “toda gente sabe que jóias custam mais que flores”. Após uma pequena discussão dos dois, o jovem estudante diz: “Que coisa estúpida é o amor. Não tem a metade da utilidade da Lógica, pois com ele nada se prova, e fala-nos sempre de coisas que nunca vão acontecer fazendo-nos acreditar em coisas destituídas de realidade”. Em seguida, volta para casa para continuar seus estudos de Física, Metafísica e Lógica.

            Enquanto isso, o rouxinol “jazia morto na relva alta, com o espinho cravado no coração”. 

Comentários

            Nesse conto, Wilde aborda a questão do relacionamento amoroso entre os seres vivos e numa linguagem clara, parece se dirigir mais às crianças. É interessante notar, primeiramente, que é transmitida a ideia de que o amor envolve sacrifício e não é algo que envolve apenas um ser. O rouxinol sacrifica a vida a favor do amor do jovem estudante com a jovem. De certo modo o jovem também se sacrifica um pouco. Seu sofrimento é óbvio, mas ambos os sacrifícios, principalmente o do rouxinol, levam a nada porque a jovem rejeita a rosa vermelha do jovem.

            Antes que o rouxinol vá cantar para a roseira a fim de conseguir a rosa vermelha, o jovem ouve o rouxinol cantar e conclui que ele não tem sentimento. Nesse momento, por meio da voz do personagem, o narrador e/ou o autor (são seres diferentes) joga uma ideia (ou opinião) sobre a Arte para discuti-la, afirmando que o rouxinol, como a maioria dos artistas, “é todo estilo, sem nenhuma sinceridade”. O rouxinol e os artistas não se sacrificariam por ninguém, pois a Arte é egoísta, mas essa Arte é bela. É possível compreender mais esse ponto de vista numa passagem de O Retrato de Dorian Gray, onde o pintor Basílio Hallward, que pinta o belo jovem Dorian Gray, diz ao seu amigo Lord Henry que não quer expor sua obra porque ela é muito pessoal, tem muito dele, assim diz:

“Um artista deve criar coisas belas, mas não deve botar nelas nada da sua vida. Vivemos numa época em que as pessoas não vêem na arte senão uma forma de autobiografia. Perdemos o sentido abstrato da beleza. Algum dia, ensinarei ao mundo o que seja; e, por esta razão, o mundo não verá nunca o meu retrato de Dorian Gray”.

Wilde não é necessariamente o narrador de toda sua prosa ficcional, mas como autor, transmite suas ideias por meio dos seus narradores e personagens, suas entidades fictícias. Nesse ponto destaco a figura do autor implícito, situado entre o autor (pessoa real, que escreve a estória) e o narrador (entidade inventada que conta a estória). O autor implícito transmite, na fala do narrador, ideias do autor, mas de forma inconsciente. Assim, conhecendo as demais obras de Wilde, onde ele obviamente expõe suas ideias, identifica-se o que é próprio do narrador e do autor e quando suas falas se misturam, mostrando o “autor que fala sem querer”, o autor implícito.

Voltando à questão do Belo na Arte...

Wilde defende que o artista deve criar coisas belas e que a Beleza é absoluta e atemporal, marcando presença em todas as culturas e períodos da história, sendo uma espécie de patrimônio da humanidade com qualidades inquestionáveis. No conto aqui discutido, o personagem rouxinol, que vive cantando e criando coisas belas e é ao menos na aparência, egoísta, simboliza os artistas, enquanto o jovem estudante simboliza os estudiosos, os eruditos, por estudar Filosofia e Metafísica.

            Essa erudição do jovem o afastaria da natureza, no sentido de a vida de estudos ser uma vida dedicada aos livros e portanto, uma vida superficial por não ser natural? Creio que a resposta é afirmativa, pois o estudante ouve o canto do rouxinol, mas não o entende. Claro que no universo ficcional do conto, o entendimento entre estudante e rouxinol seria possível, mas a estória não permite isso.

            O Rouxinol & A Rosa também nos alerta para o fato do amor criar expectativas não realistas. O jovem idealiza sua amada e o momento em que dará a rosa vermelha para ela, imaginando dançar com ela até o amanhecer, mesmo sabendo que a jovem, no baile do Príncipe, estará acompanhada por esse Príncipe. Só a promessa dela em dançar com o jovem faz com que este viaje na sua imaginação. Nesse ponto e no sacrifício em vão do rouxinol vemos que uma relação amorosa não é algo que depende de uma única pessoa, mas de quem estiver envolvido, sendo assim, muito fácil criar sofrimento a partir disso, porque a relação amorosa envolve idealização e criação de expectativas, mas isso é individual. O outro envolvido ou a outra envolvida, por não ter conhecimento das expectativas do “parceiro”, age de uma forma que o “parceiro” não espera, causando dor e sofrimento ao outro. É o que acontece com o jovem estudante. Afinal de contas, as relações pessoais e sociais não giram em torno de uma única pessoa.
           
            Outro conselho sugerido pelo conto é a diferenciação entre amor e paixão. Quando a jovem, mais atenta às jóias dadas pelo filho do camarista, nega a rosa vermelha do jovem, o jovem conclui que o amor é algo estúpido e que faz um individuo acreditar em coisas irreais, como explicado no parágrafo anterior. Ele, claramente, se revolta contra o amor e converte seu interesse amoroso aos estudos, que são a Filosofia e a Metafísica. Se o sentimento dele pela jovem mudou tão rápido assim, seria amor? Ou seria mais uma paixão, algo que vem de súbito e vai embora da mesma forma? O amor seria algo mais profundo, mais ligado à compreensão e à paciência?

            Na preferência da jovem pelas jóias em vez da simples, bela  e difícil rosa, fruto de um sacrifício enorme do rouxinol, vemos que qualquer relação conjugal, como namoro ou casamento, pode estar submetida à renda e/ou à posição social do casal ou de um membro do casal. Fica claro que a jovem preferiu o presente do sobrinho do camarista pelo valor do presente e pelo nível social do sobrinho do camarista, mais importante que o nível social do jovem, que era o estudante. Essa ideia simples é vista em outras obras de Wilde e no nosso cotidiano. Entra aqui mais uma vez a categoria do autor implícito porque há uma crítica à sociedade burguesa e suas relações, aspecto das obras e da vida de Oscar Wilde.


Apontamentos Bibliográficos

Poesia: Poems, 1881.

Contos: Lord Savile´s Crime and Other Stories, 1891; The Happy Prince and Other Tales, 1888; A House of Pomegranates, 1891.

Romance: The Picture of Dorian Gray, 1891.

Ensaios: Intentions, 1891; The Soul of Man Under Socialism, 1891.

Teatro: The Duchess of Padua, 1884; Salomé, 1891; Lady Windermere´s Fan, 1893; A Woman of No Importance, 1894; The Importance of Being Earnest, 1895.

Obras escritas na prisão: De Profundis (Carta dirigida a Alfred Douglas e publicada em 1959); The Ballad of Reading Gaol (publicada em1898).
           

Referências

ESOPO. Fábulas. Porto Alegre: L&PM Pocket, 1997.

GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. Rio de Janeiro: Ática, 11ª edição, 2010.

JUNIOR, Benjamin Abdala. Introdução à análise da narrativa. São Paulo: Scipione, 1995.

WILDE, Oscar. Aforismos. Rio de Janeiro: Newton Compton Brasil LTDA, 1995

WILDE, Oscar. O Fantasma de Canterville & Outros Contos. Grupo Ediouro, Coleção Universidade de Bolso.


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